Onde é que me perdi ou onde é que me escondi?

Em nossa sociedade patriarcal, esse é um questionamento muito frequente entre mulheres que, durante um relacionamento, acabam tendo sua individualidade perdida (ou melhor, escondida). 

Tentarei discorrer sobre esse processo. Que começa, por essência, na construção de uma sociedade patriarcal. Mas qual o significado disso ou suas implicações? A sociedade onde vivemos, crescemos, nos constituímos, aprendemos a amar e nos relacionar nos mostra caminhos. Caminhos esses já consagrados e muito mais acessíveis do que os ditos “inovadores”. 

No início existe um interesse mútuo e vontade de conquista – o que há de mais belo é exposto. Um ar de sedução, interesse e resiliência. Essa intenção de “embelezar” a realidade não é maldosa ou mentirosa por essência; apenas é limitada. Trata-se de um convite para que algo cresça. 

Se não houvesse interesse (e poderemos discutir em outros textos quais interesses levam alguém a se aproximar de outro), nada aconteceria. E esse interesse se transforma em uma forma de dedicação – direcionamento de tempo e atividades a esse outro alguém. Aquilo que começa com um encontro passa a ser mais frequente e relevante. Até que as coisas se unifiquem – lazer, atividades sociais, rotina, até casa e outros. 

Lembrando que o processo de “se perder” (chamarei assim) pode ocorrer tanto em casamentos duradouros, quanto em relações muito mais fugazes. Não existe regra quanto a isso. A regra é uma: ambos com o tempo irão se frustrar. E aí que talvez o processo comece efetivamente. 

Diante de frustrações, soluções precisam surgir. Alguma forma de diálogo (ainda que mínima e insuficiente) deve existir. E um “pacto”, alguma forma de contrato precisa ser firmado – com o intuito de evitar novamente o mesmo problema. E dependendo da forma como esse contrato é feito, suas condições e motivações; é possível que alguma liberdade seja perdida. 

Abdicar de liberdades faz com que um perigoso precedente se abra, o que pode se suceder outras vezes. Além disso, isso distancia a pessoa daquilo que outrora trouxeram prazer. Pode ser alguma atividade que se deixa de fazer, amigas(os) que se deixa de encontrar, temas que se deixa de abordar. Isso pode evitar discussões; mas aliena. 

E esse tipo de concessão pode acontecer de forma bilateral (acometendo ambos); mas diante do modelo de sociedade em que vivemos, é indiscutível que mulheres possam ser mais frequentemente acometidas. E com o tempo, aquilo que tornava aquela pessoa autêntica, se perdeu. E pode permanecer assim por tempos.

É claro que o reencontro com sua singularidade pode ocorrer durante a relação. Contudo, por vezes, é tarde demais e uma mudança precisará acontecer. E essa mudança acaba trazendo espaço; o qual pode promover questionamentos angustiantes, mas pertinentes. 

Cito uma passagem do filme “Tudo sobre minha mãe”, em que a personagem Agrado diz algo assim: custa caro ser autêntico(a), mas com esse tema não podemos ser avarentos. E seremos mais autênticos, à medida que nos aproximamos daquilo que sonhamos ser. 

Busquemos nossos sonhos e tenhamos clareza se são nossos ou de outros.

Por Gustavo Villa Real, médico (CRM 209727/SP), psicanalista e colaborador do Idivorciei. 

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